Comecei a ler Dostoievski por Noites Brancas, e desde então tenho me aventurado em diversos livros e contos. Até mesmo algumas disciplinas que cursei na faculdade em anos anteriores me ajudaram a embarca nos grandes clássicos russos e entender o quão grande são. Não somente isso, eles têm me conectado com dois extremos: Uma parte profundamente íntima minha, e o segundo: me conectado com o outro lado do mundo em épocas diferentes. Sem dúvida nenhuma, ler é viajar no tempo!
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Fiodor Dostoiévski |
Esse livro eu li em 2024, porém precisei dar uma relida para fazer essa resenha esse ano de 2025, e ler de forma um pouco menos despretensiosa, já que fiz análise dele durante parte do 1º semestre daquele ano.
Antes de sua prisão, Dostoiévski deu vida a este romance em uma era em que a Escola literária Naturalista florescia na Rússia do século XIX. Com olhar aguçado e alma inquieta, ele mergulhou nos becos sombrios de São Petersburgo, desvendando a miséria e o desespero que habitavam os subúrbios da cidade, onde a esperança se dissolvia como névoa ao amanhecer.
"E depois a gente rica não gosta de ouvir os pobres se queixando da sua má sorte – dizem que incomodam, que são impertinentes! A pobreza é sempre impertinente mesmo – talvez porque seus gemidos famintos lhes perturbem o sono!"
Esse é o romance de estreia de Dostoiévski, publicado em 1846, foi imediatamente aclamado pelo público, fazendo o autor um escritor consagrado. Por meio da troca de cartas entre um funcionário público de menor cargo de uma repartição de Petersburgo e sua vizinha, uma jovem órfã injustiçada, o autor explora a fundo as variações de tom e tratamento, de saltos e encadeamentos na ação, para criar um texto comovente e, no dizer de Boris Schnaiderman, "marcado pela consciência da injustiça social".
Os personagens vivem uma situação financeira difícil e raramente se encontram, mesmo morando na mesma vila, mas tentam se apoiar mutualmente na medida do possível. Trocam cartas constantemente, e detalham seus pontos de vista, uma mulher pobre e um homem pobre. As cartas vão revelando aos poucos o passado e o presente dos protagonistas. São revelados seus pensamentos mais ínfimos, suas angustias, as pequenas alegrias e seus desejos mais simples.
Ao lermos temos uma rápida empatia por ambos, é difícil não se identificar com os dramas e preocupações financeiras, mesmo que estejamos em um Brasil de 2025 com diferentes realidades em contraste com uma Rússia antes da revolução. É um livro dilacerante, inquietante, e logo de cara já vemos alguns recursos estilísticos e detalhamento que, para um romance de estreia, é de se impressionar.
O livro possui um tom muito melancólico e dramático, nos mostra a face humana mais desesperada em contraste com a mais abastada, toca no âmago e grita por justiça social. Ler Dostoievski é mergulhar na leitura, ir a fundo na humanidade e se ver, de alguma maneira bem louca, olhando um espelho e vendo parte de si mesmo.
É uma obra que merece ser lida e relida, é uma obra que arrebata nossa consciência, enquanto uns desfrutam a vida e gozam dela, outros estão em estado de desespero em busca do básico para viver, moradia digna, salário descente que dê para comprar roupas, se alimentar e possuir o mínimo de lazer com um livro. Inclusive, o que vejo nos trabalhos do autor russo é essa paixão pela literatura, ela sempre está lá, de alguma forma ele vai trazer no subtexto. Seja um personagem com estantes repletas, outro que menciona algo, enfim...de alguma maneira está lá.
Não tem como não se emocionar profundamente com o relato das roupas e botas furadas, a cena do botão da camisa caindo e o protagonista fazendo de tudo para pegar, o quanto esse botão é importante. A descrição dos sentimentos de andar mal vestido por não ter dinheiro suficiente para comprar roupas novas é dilacerante...Enfim, é um livro poética e melancolicamente dilacerante.
Desde que comprei meu kindle ano passado tenho lido bastante nele, inclusive comprando clássicos a preços irrisórios, isso tem me motivado muito a lê-los ainda mais! Eu que fui sempre a defensora dos livros físicos tenho encontrado paz no digital também.