Resenha: A vegetariana, Han Kang
Yeonghye deixa de comer carne depois de uma série de pesadelos aterrorizantes, mas não somente isso, ela fica cada vez mais distante emocional e psicologicamente de todos a sua volta, inclusive seu marido, e certamente isso impacta sua relação com todos os membros da família. Todos a julgam por não comer carne, e muito menos cozinhar para seu marido, ao longo do enredo vemos o quanto a mulher é subjugada pela sociedade às vontades do patriarcado, o quanto a relação da comida é também uma identidade nacional e social!
Foi uma leitura extremamente envolvente, que me prendeu do inicio ao fim, além disso me fez ficar o dia todo lendo, o que me fez terminá-lo em uma tarde. No início da história temos a narrativa sendo contada pelo marido de Yeonghye, intercalada com alguns pensamentos da protagonista. Em todo o momento o marido demonstra ser egoísta, preocupa-se apenas em como sua esposa deveria ser uma boa dona de casa, o quanto ela deveria cozinhar para ele e se apresentar perante a sociedade. O mais assustador é que ele não demonstra nenhum sinal de empatia pela própria esposa, apenas transborda a preocupação do quanto ela deve estar disponível, desse modo vemos um exemplo do quanto é exposto a condição da mulher perante a sociedade sul coreana e mesmo sendo um país moderno, o quanto está preso em dogmas patriarcais.
Outrossim, tal condição é reforçada quando há uma mobilização da família que preocupa-se, em primeira instância, fazer com que Yeonghye cozinhe carne ao menos para o seu marido, para posteriormente demonstrarem uma "preocupação" estranha em fazer com que ela coma carne, como se fosse o fim do mundo não comer, ou como isso a deixava "menos" coreano por causa disso.
A primeira parte do livro apresenta alguns personagens e como eles reagem a Yeonghye, julgam-na pela dieta vegetariana e recorrem a várias falas "clichês" de quem come carne e não conhece absolutamente nada sobre uma dieta baseada em vegetais, além de alguns atos extremamente violentos.
"Gritos e choros se sobrepõem e ficam encravados aqui. É por causa da carne. Comi carne demais. Todas essas vidas estão entaladas aqui." página 50
Ao todo o livro é dividido em três partes: A vegetariana; A mancha mongólica e por fim Árvores em chamas. A narração da primeira é pelo marido, e as outras duas são narradas e em terceira pessoa, todas as partes têm um foco narrativo em alguém próximo a Yeonghye e toda a narrativa, então, é "contaminada" por esse ponto de vista alheio sobre a situação da vegetariana. Salvo os fragmentos de pensamento dela, não temos um contato mais direto com a personagem, um recurso impressionante para falar sobre o lugar que ela se encontra não tendo direito sobre sua vida nem sobre seu corpo, exceto os pensamentos.
Há diversos elementos, ademais, substanciais na narrativa e que enriquecem demais a obra, como a alimentação está ligada as relações interpessoais da personagem, isso fica evidente desde o inicio, conforme o marido descreve o relacionamento deles e como o ser vegetariana impactou a dinâmica do casal, posteriormente o da sociedade e família.
Não se engane, portanto, com o título achando que trata-se 'apenas' do vegetarianismo abrupto da personagem, há muito, muito mais (mesmo) a ser lido nessas páginas, é sobre a sociedade, saúde mental, o fio entre sanidade e insanidade, é sobre patriarcado, é sobre dominação de corpos, são relações quebradas que se obrigaram a permanecer juntas, é ato de ser humano. Com toda certeza um livro que me emocionou, me tocou de uma forma muito grande, sem dúvida foi uma das melhores leituras de fevereiro e um dos favoritos do ano!
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