Ganhei esse mangá de um amigo já tem tempos, porém, após postergar a leitura, finalmente li essa versão. Inclusive, já fiz resenha lá nos anos de 2018 de A Metamorfose, aqui no blog e ainda está disponível para você ler, caso queira. Nesse post pretendo abordar um pouco mais profundamente a obra, então tentei trazer tanto minhas impressões, quanto as ideias da crítica e análise literária como vejo na universidade, pois essa obra me tocou e toca profundamente.
O enredo começa quando Gregor Samsa, um caixeiro-viajante assalariado, acorda, numa manhã qualquer após sonhos inquietos, para descobrir que se transformou, enquanto dormia, num inseto monstruoso. Geralmente as representações artísticas mostram ele como uma baratinha, porém, no livro não especifica qual é o inseto exatamente. Kafka não descreve com precisão científica (nem plenamente fantasiosa), apenas nos é dito que é algo grotesco, com numerosas perninhas e uma carapaça. Gregor, que exercia o papel de provedor na família (composta pela mãe, a pai e a irmã) , vive com a responsabilidade do trabalho para mantê-los. Essa transformação, obviamente, o incapacita para trabalhar e comunicar-se normalmente com os demais.
À medida que a história avança, o foco não está tanto em como Gregor se tornou inseto, ou em resolver esse mistério, mas no que acontece depois: sua alienação, sua incapacidade de participação social (inclusive no espaço familiar), sua degradação física e psicológica, e o modo como a família vai reagindo à nova condição dele (primeiro se assusta, depois tenta adaptá-lo, e posteriormente o renega completamente).
Gregor passa por isolamento, constrangimento, vergonha, dor; a irmã inicialmente dedica-se a cuidar dele, mas com o passar do tempo vai se distanciando; o pai e a mãe, que dependiam dele, experimentam culpa, desconforto, raiva, repulsa. A narrativa mistura realismo e o fantástico, o grotesco e o cotidiano, tornando o absurdo algo quase plausível pelo modo como Kafka o trata: a linguagem permanece relativamente constante, o estilo relativamente simples com momentos até de frieza, o que acentua o estranhamento.
Um grande destaque para mim durante toda a obra original é que apesar do tema fantástico, afinal pessoas não se transformam em insetos, Kafka emprega uma narrativa quase desapaixonada, objetiva, fria em muitos momentos até, o que torna o absurdo ainda mais penetrante, o horror decorre tanto do fato grotesco quanto da maneira como ele é tratado como algo "normal" pela narrativa. Esse contraste entre o desafio fantasioso e a linguagem quase prosaica amplifica o efeito de estranhamento no leitor, essas características narrativas é chamado de estilo “kafkiano”.
Muitos críticos literários veem A Metamorfose como uma metáfora da alienação: Gregor representa o indivíduo absorvido por uma vida de trabalho e obrigações, cuja identidade está vinculada ao seu papel social (provedor, trabalhador). Toda a identidade do personagem é envolta ao trabalho, ou seja sua função social e tudo o que ele é ser caixeiro, basicamente um vendedor de produtos não regionais. Quando essa função é retirada dele, sua identidade e valor social simplesmente evaporam. Essa leitura aponta para críticas ao capitalismo, à desumanização do trabalhador, e ao quanto nossa auto-representação depende do reconhecimento alheio e da nossa função de trabalho na sociedade.
A obra é frequentemente associada a correntes existencialistas, ou pelo menos como precursora dos temas existencialistas: o absurdo da existência, a solidão do sujeito, a falta de sentido aparente. O momento da metamorfose coloca o protagonista num mundo que não responde segundo a lógica humana esperada, o que gera angústia. Segundo o artigo da Thainara Gomes, Uma análise literária e filosófica da novela A Metamorfose de Franz Kafka: o absurdo e o fantástico, Kafka explora o “inaceitável” à medida que o personagem tenta manter uma vida normal apesar de sua condição absurda, ou seja o psicológico do protagonista é fundamental para demonstrar essas características.
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