Revirando os rascunhos do blog achei um texto que escrevi e publiquei em um jornal em 2022! Tive essa coragem por conta de um amigo meu da faculdade, e vimos que seria muito bom para por no lattes. Eu sempre faço rascunho aqui no blog, sempre estou escrevendo, e esse é direto da capsula do tempo.
2022 foi meu segundo ano na faculdade, entre na USP no ano anterior, olhando para trás, acredito que a Jessy do passado parecia muito mais feliz e empolgada com a graduação do que atualmente. Cansaço e dúvidas é o que estão me definindo no momento presente, fora que esse ano foi bem caótico, retornar com os posts frequentes aqui no blog é o que tem me ajudado a manter a sanidade!
Enfim, o texto que apresento por aqui é uma crônica que escrevi para o jornal tribuna, mas por algum motivo não estou conseguindo mais acessar o link. Dito isso, achei que seria extremamente proveitoso compartilhar por aqui, afinal esse blog é extremamente precioso para mim!
Mancha de café no chão
É segunda-feira, seis e meia da manhã e o espírito que o paulistano acorda é a sensação de constante atraso. Abrir os olhos, esticar o corpo, coçar o nariz, então começa as decisões cruciais para o dia: Tomar ou não banho logo cedo, escovar os dentes enquanto passa o café? e colocar uma roupa de "bom tom" para o dia. Será que chove? Ah….é São Paulo, talvez chova ou talvez a seca do inverno perdure. O café termina de passar, os dentes já estão escovados, a roupa e o sapatos colocados, agora enquanto toma o café lê as mensagens, e-mails aleatórios, vê as notícias e últimas atualizações pelo smartphone. Quando se dá conta já está com um leve atraso. Na ânsia de pegar chaves e bolsa, derrama um restinho de café da caneca no chão. O que dá para fazer é olhar, praguejar e desviar do café. Nesse instante de olhada para a mancha no chão vem mil pensamentos tão velozes quanto podem. “Eu poderia ter levantado mais cedo”, “Se eu não tivesse demorado tanto para ler aquele e-mail…”, Eu tenho que ler no caminho…”, “Ninguém vai limpar isso ai, vai ficar até o anoitecer, já vai estar grudento e possivelmente com cheiro de café velho até a noite”.
A mente tem esse poder impressionante de nos fazer mergulhar nela, nos fazer perder a noção de tempo e espaço. No caminho para a devidas obrigações é um empurra daqui, empurra dali, sobe o ônibus. Desce o ônibus. Entra no metrô. Esbarra em uma senhora com uma cara mais azeda do que o café no chão, do outro lado uma estudante colegial faz uma bola com o chiclete, “Uma hora dessas chiclete?” O cheiro de uma colônia de segunda invade as narinas e incomoda. Vem o segundo praguejo do dia. De repente a mancha de café vem a mente, “Qual o melhor produto para limpar? Ah..que se dane, água e sabão dão conta”. Desce do metrô. Sobe escada, esbarra em alguém. Terceira praguejo do dia. encontra-se no centro, o dia está parecendo que vai clarear bem, apesar que do outro lado está um pouco cinza, para contrastar com o amarelo e laranja tão vibrantes do nascer do sol.
Finalmente chega ao destino. Telefonemas. Papeis. Correria. Estuda algo. Pega algumas páginas de um livro. Folheia outra coisa qualquer. Paga uma conta. Vê pessoas. Pensa na mancha de café. Atende telefone. Solta a quarta praga do dia. Pensa na mancha de café. Conversa com um superior. Corre pelo corredor. Entrega relatório de pesquisa atrasado ou seria um relatório qualquer? Tenta traduzir um texto, afinal para quê? Finalmente a pausa para o almoço. Conversa. Lê. Mais telefonemas, dessa vez é uma atendente de telemarketing que força demais a voz para parecer animada para falar de alguma promoção qualquer de uma linha telefônica que nem interessa. Mais e-mails. Notícias. Trabalho. Vê preços na internet. Pega dois colegas se beijando no trabalho. Corre para o curso de especialização, precisa do metrô de novo. Já são quase seis e pode ouvir o trânsito sufocante e quente de onde esta. Corre no mercado. Compra alguns legumes, mas desconta a frustração em compra de doces. "a nutricionista não se importa mesmo" Pega metrô. Corre. Nesse momento já se esqueceu de quantas pragas proferiu no dia. Pensa na mancha de café.
Agora corre para o outro lado da rua para tomar o ônibus. Desengonçadamente se equilibra com as compras no ônibus. Sinaliza. Desce. finalmente em casa. Coloca as compras no chão da sala, a bolsa joga no sofá velho, tira o salto e corre para lavar a mão e tirar a máscara do rosto. Pensa na Covid. Lava o rosto, tira a maquiagem, faz sua skincare básica. Volta para a sala tira o blazer e joga no sofá. Pega as compras e vai para cozinha e finalmente reencontra a mancha de café no chão, que tanto permeou o consciente e o subconsciente. Faz uma careta e tenta guardar a pequena compra solitária. Tenta reproduzir uma receita que leu na internet mais cedo, enquanto come um pedaço de chocolate. Lava a pouca louça, seca e guarda. Finalmente volta-se para a mancha de café e se julga desastrada. Para alguém nessa cidade a mancha de café no chão deve ter algum significado místico e com toda certeza iriam ligar isso ao signo e como os planetas estão. “Besteira e tolices”. Joga água e sabão, esfrega e como temeu mais cedo…Estava com cheiro de café velho, isso a deixa enjoada.
Após passar o pano no chão, ajeitar a pequena bagunça que se formou na sala e tomar banho foi pegar novamente o livro que estava lendo. Passou algumas páginas. Ligou a TV smart no youtube, passou uns instantes e ligou um serviço de stream. Depois de um episódio, voltou ao livro. "Nada faz mais sentindo" Já é tarde. Vai fumar um cigarro, fuma apenas um por dia, sempre com as janelas abertas, olhando de seu apartamento a cidade de São Paulo. Não está tão longe do centro. A noite está bonita e a cidade menos barulhenta. Está quente, o cheiro de noite impregna o ar. Ascende o cigarro. Traga. Alguns segundos e uma fumaça sobe junto com pensamentos aleatórios. “O gás está caro”, “Amanhã tenho mais um trabalho”, “Não enviei a encomenda ainda”, “Preciso de calcinhas novas”, “Os políticos são uns merda”. Mais um trago. Mais uma coluna de fumaça e mais pensamentos. “Tenho que ligar para ele…”,”Tenho que ligar pra ela”,” Final de semana quero ir ao museu”, "quero dormir mais", "odeio aquele arrombado", “Mancha de café no chão”... A última fumaça sobe, a bituca vai para o cinzeiro, o cabelo meio solto meio preso agora. Parece que está mais cansada do que nunca, vai para a cama. Deixa as janelas abertas, ela gosta do cheiro e do leve ruído da cidade a noite. Puxa o edredom, “Não vai ter mancha de café amanhã…”
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